Caro
Sr.Presidente do Sporting Clube de Portugal, Bruno de Carvalho.
Antes de
começar a ler esta missiva, peço-lhe que tente sentar-se comodamente e que faça
um pequeno esforço para se isolar da azáfama que o rodeia durante 5 ou 6
minutos. Sei que não deve ser fácil, mas gostaria que pudesse dedicar-me este
tempo. Sei que o mereço antes e que o merecerei mais ainda quando terminar.
Pode
parecer um contrassenso, mas detesto "cartas abertas". Faço-o, não
porque tenho a megalómana e indistinta vontade de me tornar protagonista usando
a sua condição de recetor, mas sim porque sinto o dever de dar voz a muitos
outros sportinguistas que querem fazer uso do seu direito à critica sem que se
alimente qualquer outro tipo de apoios, qualquer outro tipo de agenda que não
seja melhorar o Sporting.
O
problema de qualquer clube de futebol chama-se "maus resultados",
afecta qualquer emblema e o Sporting não é diferente dos demais, é para mim e
para si especial, mas não tem nenhuma salvaguarda que o impeça de perder jogos,
pontos e títulos. Infelizmente o sabor da frustração da derrota (ou não
vitória) é bastante familiar aos sportinguistas. O que faz de nós um clube
especial é que ao contrário da maior parte dos clubes de futebol mundial, o
Sporting Clube de Portugal consegue crescer não amealhando títulos. Durante o
seu mandato que estará prestes a terminar no início de 2017, o clube cresceu.
Uma Supertaça e uma Taça de Portugal podem ser bons argumentos para explicar a
dimensão da recuperação que o Sr.Bruno de Carvalho e restante equipa directiva
conseguiu fazer, mas ambos sabemos que isso não é verdade. Vencer as Taças
internas é apenas um prémio de (fraca) consolação para os adeptos em Portugal e
se para um Braga é um ponto alto na história desportiva do clube minhoto, para
o Sporting é apenas mais uma nota de rodapé em face às expetativas de ser o
melhor, incontestavelmente o melhor entre os grandes do nosso desporto-rei.
Eu e o
Sr. Bruno de Carvalho sabemos muito bem que o Sporting tem crescido e
recuperado o seu estatuto de "crónico" (como gosta de o dizer) às
custas da sua energia, dedicação e exigência. O seu papel como líder pode ser
mais ou menos cordato com a concorrência, mais ou menos justo para com os seus
antecessores e colegas actuais que dirigem o clube, mas aqui, só entre nós
dois, o meu caro Presidente abanou toda a estrutura do clube indo direito ao
orgulho e exigência dos universo (cada vez maior) de Sportinguistas. Todos nós,
que amamos o clube até às últimas consequências, entendem muito bem o que
tentou, tenta e tentará fazer enquanto se chamar a si próprio Presidente do
Sporting e nunca duvide por um segundo que a sua base de apoio continua sólida
e imune a conspirações de retretes suburbanas. Nunca duvide da inteligência dos
Sportinguistas em dar total apoio a quem já provou vezes sem conta colocar o
interesse do clube bem acima do estivemos habituados num passado recente. Não
tenho a mais pequena hesitação em considerar o meu caro Dr. Bruno de Carvalho
um dos presidentes mais importantes da história do clube e uma das figuras mais
apaixonantes do dirigismo desportivo, pelo que devo dizer que era apenas uma
criança nos tempos do saudoso João Rocha e imaturo demais para entender a sua
visão e dedicação ao clube.
Mas, o
meu caro Presidente já sabia que este "mas" vinha a caminho, mesmo
João Rocha não foi infalível, mesmo os melhores dos melhores se equivocam. Não
por desleixo, não por prepotência, mas apenas porque no meio de tantas
decisões, ninguém consegue adivinhar o futuro e muitas vezes a realidade
altera-se tão profundamente e de forma tão rápida, que o que parecia uma
decisão 100% fundamentada e estruturadamente válida se revela errada. O Bruno,
permita-me a confiança, deve estar a pensar "então venha de lá esse tal
erro". Satisfazer-lhe-ei essa minha presunção de lhe adivinhar o pensamento indo direito ao
sentido deste texto: dar mais poder ao treinador Jorge Jesus foi e é um erro.
Nem eu,
nem ninguém em Portugal poderá dizer que Jorge Jesus não tem competência para
"ler" o jogo de futebol, será aliás dos melhores nesse aspecto.
Poderia até ser lógico deixar, quem sabe e quem treina, escolher os jogadores
com quem vai trabalhar. Mas se o Bruno de Carvalho olhar para o futebol de
forma global (e sei que cada vez mais o faz) poderá constatar que os maiores
emblemas, os mais poderosos, os mais ricos, os mais vencedores, dão cada vez
menos margem aos treinadores para serem eles a apontar, escolher e contratar
jogadores. A excepção é a Inglaterra, o reinado dos "Managers" sempre
definiu uma variante à estrutura de organização essencialmente apoiada em
centros de conhecimento que privilegiam a decisão colegial e não a acumulação
do negócio e a preparação da equipa no mesmo cargo, na mesma pessoa. Mas até no
Reino Unido, o supercargo de poder contratar quem se vai treinar está a cair em
desuso, essencialmente porque os managers britânicos escolheram mal, muito mal,
sobretudo a partir do momento em que as nacionalidades ou as verbas deixaram de
ser um problema.
Hoje em
dia, Ilhas Britânicas incluídas, escolher jogadores, comprar os seus passes,
valorizá-los e transferi-los passou a ser uma das actividades mais importantes
para a sustentabilidade e sucesso de um clube de futebol. Comprar os jogadores
errados ou vender os jogadores errados é hoje uma das explicações mais
comprováveis para justificar más épocas desportivas. A tal "gestão dos
activos" já não é mera rotina de olheiro - treinador - presidente, é a
quase a totalidade do que deve ser bem feito para gerar lucro, troféus ou
ambos. Cada vez mais os clubes entendem essa importância e tentam dotar os seus
departamentos de futebol de tudo o que pode servir de diferencial, quer humano,
quer tecnológico. A era do Scouting começou já faz uma boa dezena de anos e
quem a entendeu como estratégica prosperou, quem não o fez, dependeu demasiado
da sorte, provavelmente despendendo muitos recursos em erros que poderiam ter
sido evitados. O Scouting é muito mais do observar ou detectar jogadores. O meu
caro Bruno (repito o atrevimento) sabe tão bem como eu que os grandes jogadores
são facilmente detectados e qualquer pessoa com o grau mínimo de conhecimento
saberia dizer que Ronaldo, Messi, Ibrahimovic ou Neimar, mesmo com apenas 12 ou
13 anos viriam a ser diferentes dos demais, saberia pelo menos o suficiente
para recomedá-los. Ainda precisariam de menos do que isso para recomendá-los
aos 17 anos e absurdamente menos quando tivessem 23 ou 24. A questão com esse
tipo de talentos não se chama Scouting, mas sim Financing. O problema é que o
Sporting, assim como 99,9% dos clubes mundiais não só por missão contratar
vedetas ou futuras vedetas (até porque isso cada vez será mais difícil face aos
desequilibrios entre clubes europeus e diferentes economias) mas essencialmente
conseguir encontrar jogadores com a maturidade de darem acréscimos segundos
depois de assinarem o seu contrato.
Esta
circunstância de ter de "descobrir" mais valias imediatas a preços
comportáveis requer a capacidade de conseguir fazer previsão, mas sobretudo a
capacidade de conseguir comparar coisas diferentes. De grosso modo, conseguir
comparar Slimani no Sporting a Bas Dost no Wolfsburgo. No passado essa missão
era menos arriscada e menos global, mas hoje em dia falhar uma contratação tem
um peso enorme nas finanças de um clube. São milhões de euros que não têm
regresso, são passivos que se aumentam, são homens a quem se aponta a
responsabilidade de "justificar" demasiado dinheiro, demasiado risco.
A solução encontrada por muitos (e bons) clube foi a mais racional possível. A
decisão tem de ser fruto de um trabalho quase totalmente científico. A
estatística, o comportamento, o lado social, o estado civil e agregado
familiar, a observação sistemática sob todos os ângulos da carreira desportiva,
seja aos 7 ou aos 35 anos, o Scouting transformou-se numa ciência cada vez
menos apoiada em feelings, em palpites, em "olheiros". Não sei o que
Jorge Jesus pensa sobre esta evolução, não sei sequer o que pensa e implementou
no Sporting, o que sei é que seja qual for o caso, o Scouting no Sporting
trabalhou mal. Pode parecer estúpido estar a dizer isto em Outubro, mas não
falharei por muito se arriscar pensar que o meu caro Presidente pensa o mesmo,
nunca o poderá dizer (eu faria o mesmo na sua posição) mas tenho por mim certo
que um dirigente com o seu grau de estudo do fenómeno futebolístico também já
entendeu o falhanço que foram algumas das maiores apostas para esta época. Se o
poder esteve nas mãos de Jorge Jesus e não estarei a falhar por muito, vejo-o
como responsável e como tiro de letra que nenhum scout daria o aval a muitas
das chegadas ao plantel, não posso deixar de entender que a aposta na extensão
da responsabilidade oferecida a Jorge Jesus não teve o retorno e a melhoria
desejada.
Como
disse no princípio, a minha vontade assim como a de muitos outros
Sportinguistas não é a de "queimar" o legítimo trabalho e competência
de quem está no clube, não tenho eu nem ninguém esse poder ou vontade. Mas no
meio de tantas vozes que pedem cabeças, eu e quem estiver ao meu lado, pedimos
trabalho e inteligência. Pedimos competência. Em muitas coisas que estão a
correr mal, podemos e devemos melhorar e é na mente e na capacidade de Jorge
Jesus que confiamos que venham a ser encontradas as soluções. Não interessa que
nos venham dar explicações, escusas, respostas ou murros na mesa. Queremos que
se sentem à mesa, trabalhem e obriguem outros a trabalhar. Se o que existe não
está bem, não funciona, só conheço uma forma de melhorar e chama-se dedicação
ao "trabalho" e empenho em esforços coletivos. Muitos desprezarão a
força do que um punhado de homens pode fazer, mas a história do Mundo e do
Desporto está inundada de exemplos, de turning points onde a diferença, a
mudança, a reviravolta esteve centrada na união desinteressada de várias
pessoas num bem comum. Essa é a única forma que conheço de uma equipa superar
os seus medos, as suas fraquezas, as suas incapacidades. Peço-lhe, caro
Presidente, que olhe para dentro e dedique o seu melhor a este tipo de
soluções, exigente como sabe sê-lo, mas também solidário e centrado unicamente
na definição de uma "Equipa do Sporting". Acredito que 5, 6 ou mais
pontos serão ultrapassados quanto mais uma mensagem de união perante a
adversidade conseguir ser implementada.
Para
último deixo uma mensagem ainda mais importante. O Bruno sabe tão bem como eu
que a grande desilusão dos Sportinguistas com os resultados mais recentes da
nossa equipa de futebol, prendem-se sobretudo com o facto de os mesmos desaires
estarem a aparecer num completo contra-ciclo. O clube cresce, recupera
financeiramente, intromete-se novamente ao mesmo nível de ambição que os seus
grandes rivais, a equipa vinha a ser, incontestavelmente a melhor em
jogo-jogado. Tudo apontava no final da última temporada que o prémio (merecido
já em Junho) chegaria este ano, ou na pior das hipóteses, andaríamos tal como
na época passada pertíssimo da liderança. Estar a 5 pontos do Benfica e já a 3
do FC Porto é para nós adeptos (e para si ainda mais) um choque, algo para o
qual não estávamos preparados. Nenhum indício existia que tal pudesse vir a
acontecer e embora nem tudo no desporto seja lógico, valha a verdade que à 10ª
jornada já ter perdido muito da totalidade dos pontos perdidos da época passada
é pesadamente ilógico, sendo que o treinador é o mesmo e "apenas"
saíram 2 jogadores. A dinâmica de crescimento, a que muito devemos agradecer ao
seu espírito lutador e ao Sportinguismo feroz de nós todos como adeptos está a
ser contrariada por um princípio de época muito pouco feliz. Na mente de todos
pesam os fantasmas de um Sporting do passado arredado da luta do título cedo
demais e isso deta vez é algo inaceitável. Este facto é um elogio ao seu
trabalho no ressurgimento de um Leão adormecido, mas também é um fardo com terá
de lidar e saber conviver. Os Sportinguistas revêm-se no seu clube e não querem
vê-lo retroceder, voltar a carpir lágrimas antigas e queixumes bolorentos.
Queremos todos o Sporting que o meu caro Bruno nos devolveu e esse, seja qual
for o prisma que se observar, não é o que esteve em campo no final do jogo de
Guimarães ou na tarde de Sábado em Alvalade. Esse é um Sporting de que não
temos saudades, mas sim muito pavor. A contestação que se gerou neste fim de
semana é algo que o Bruno terá de canalizar para dentro como saudável,
explicável e até útil. Os adeptos são a base do clube e a base do clube não
acredita que muitos dos jogadores valham apenas "aquilo", que Jorge
Jesus não tenha a arte e o engenho de rapidamente colocar os atletas a fazer
das suas fraquezas a força que o coletivo precisa.
Não
queremos "cabeças". Queremos as "cabeças no lugar". Não
queremos desculpas. Queremos apenas "desculpar" a nossa equipa. Não
queremos contestar. Queremos comprovar, cada vez mais, que não estamos errados
ao acreditar que seremos muito mais fortes amanhã do que somos hoje e que as
pessoas que estão, são mais que capazes de levar por diante os nossos sonhos de
glória. Espero ter servido de voz a muitos dos meus consócios, de espaço a
ideias razoáveis e sobretudo fiel à vontade que eu e o Bruno temos de ver
sempre sorrisos em Alvalade. Agradeço-lhe meu caro Presidente o tempo que me
possa ter dispensado, sendo mais que garantido que estarei, sempre que me for
possível em Alvalade a fazer-lhe companhia no apoio à nossa Equipa. Pois também
eu tenho as minhas responsabilidades como adepto do Grande Sporting Clube de
Portugal.