sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

O verdadeiro fosso

Roquete, Severino, Madeira Rodrigues, Pereira Cristovão, Dias da Cunha, a lista é vasta e por vezes mais parece um grupo de "exilados" políticos a dar entrevistas num país tropical, suplicando por mudanças de regime num país assolado por uma ditadura sanguinária. 

Só que não.

Existem cada vez mais duas ideias divergentes do que é o Sporting de Clube de Portugal como instituição. 

1/ A dos supracitados é uma mistura entre clube de cavalheiros, casa de chá, uma estrutura de exclusividades e direitos nobiliarios, transmitidos por famílias que partilham 7 apelidos e 65% dos alugueres de apartamentos entre o bairro de Benfica e o Lumiar. É o Sporting das pastelarias das avenidas novas, dos senhores que dizem que jogaram rugby na infância e que as meninas têm aulas de ténis e bailes de debutantes. O Sporting é o seu Kidzania particular, o local ideal para ir fumar charutos na tribuna enquanto se brinca ao dirigir um clube desportivo. Interessa deixar "boa imagem", ser "educado", parecer "bem" e sobretudo que tudo tenha um "bom ar", limpo e arrumado, cordato, mesmo que passando a fachada esteja tudo numa balbúrdia e decadente...o que as "visitas" acham é que é importante. Governa-se um clube com a preocupação máxima de projectar uma imagem que se identifique com os valores que receberam de berço. A imagem acima de tudo, o croquete e a elegância bem mais significativos do que ganhar. Isso é acessório. Os adeptos também, tratados como desprezíveis, aqueles saloios desprovidos de classe, um mal necessário que o projecto Roquete tentou diminuir a “clientes”. 

2/ O dos adeptos. O Sporting do calor humano e massas vibrantes. Não se quer ser mais fino, nem menos ambicioso que qualquer rival. Não há preocupações com as “diferenças” de estilo ou forma, isso é vulgarmente acessório do que é mesmo o objectivo do clube: ganhar! Cospe-se, insulta-se, há entradas feias no cardápio e muitas cerveja bebidas em tantas outras roulotes. Há bifanas e entremeadas, há todas as partes do porco servidas sobre o pão da festa e de uma identificação muito mais democrática. O Sporting “de todos”, “para todos” é na verdade um emblema feito de uma única casta que apenas vive para celebrar o jogo, a luta, a coragem e a vontade de ser melhor. A roupa seja velha, suja ou rota não está escondida mas sim à vista de todos e todos estão convidados a viver o clube pelo aquilo que é: uma associação de quase 170 mil sócios, que cresce cada vez mais ao estarem escancaradas as portas a qualquer nome, qualquer proveniência, basta querer. Este também é o Sporting que quer ser unido, que rejeita “quintas” ou “partilhas” com adversários. Não há almoços nem scones grátis, tudo é de todos e todos têm de pagar o mesmo preço - o suor, a dedicação e a lealdade. 

A cada dia que passa estes dois conceitos aprofundam diferenças e hostilizam-se. Não tenhamos quaisquer dúvidas que Bruno de Carvalho é apenas um dos pontos de divergência, uma charneira em torno da qual se concentram e gravitam muitos dos choques que aumentarão nos próximos meses e anos. Vejo todas as ocorrências e movimentações que ocorrem na antecâmara da próxima AG e só consigo extrair uma profunda convicção: BdC quer acelerar o rompimento entre estas duas massas de opinião, quer aumentar definitivamente o espaço entre estas duas visões (cada vez mais incompatíveis) do que será o clube no futuro. No fundo, quer que os sócios se assumam de uma vez por todas qual é o Sporting a que ele preside de facto.

Quer ganhe, quer perca os contrastes serão sempre ampliados. A dita oposição no exílio não terá qualquer margem de manobra para eleger candidatos em futuras eleições e isso não se deve à ditadura de um homem ou de um Conselho Directivo, mas sim há própria mutação dos sócios e adeptos que transmitem todo o tipo de sinais sobre o emblema que querem ter no futuro, cada vez mais afastados da caracterização do ponto 1 deste texto. Leio nas entrelinhas o nascimento de algumas “Vénus”, que se preparam para assumir-se como transgénero, um mix de qualidade que tenderá a apresentar-se no epicentro das clivagens e apelativa a ambas as ideias do Sporting. 

Nada mais absurdo e condenado ao fracasso. Os Balduínos de ocasião só trarão paz podre e falta de identificação, governando em ziguezagues intermináveis de “agrados” sem entenderem que já não há remendos nem agrafos que unam as partes, as feridas passadas, os ódios ou as fendas. Não haverá terceiras vias Blairianas no Sporting. Haverá apenas a vitória de uma das partes e o abandono definitivo da derrotada. O Sporting Clube de Portugal, sem infelizmentes ou felizmentes, terá de ser um. Não dois. 

Nesse sentido imagino como óbvia a necessidade de validar este fraccionamento, esperando a definitiva compreensão por parte da ala coqueteira de que o clube que acharam como lógico herdarem ad eternum, já não existe. Já não é seu. Pertence a quem o quis salvar e amar, a quem o segue, sem clamar o seu governo ou posse. Que nasça outro clube qualquer para o seu entendimento de classe ou heráldica, saiam do exílio e sejam “livres” num novo emblema, fundem o que quiserem no Estoril, Cascais, Eriçeira, Malveira, onde podem continuar a partilhar um leão, de cor verde, colonial e bem parecido, o local ideal para migrações de fim-de-semana após as aulas de equitação, onde os filhos poderão esquecer as agruras de uma semana do Liceu Francês, Colégio Alemão, dos Sagrados Corações e Planaltos. 

O Sporting Clube de Portugal albergará sempre os que lhe sejam fiéis e desprendidos de “direitos” especiais, os que se sintam iguais a todos os outros. Os que bem ou mal paridos, de berço de ouro ou Ikea, de colégio privado ou escola pública, de charuto ou cigarro de enrolar…amem o Leão como animal de luta e não como mascote a colocar num botão de punho.


SL

10 comentários:

  1. Excelente texto, aqui está descrita preto no branco tudo o que se estar a passar actualmente no Sporting, espero que todos os sócios leiam este post....

    SL

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Melhor texto que este seria impossível. Leitura obrigatória seja para os mal, como para os bem paridos! 
    Pena que nesta AG não se possa votar a eliminação do fosso... ou talvez se possa!

    Parabéns Javardeiro

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  5. E paradoxalmente... os primeiro precisam bem mais de vitórias que os segundos... já que o interesse na continuidade do status quo da croquetagem... terá sempre um fim, mais tarde ou mais cedo, como íamos vendo há 5 anos... É que sem vitórias, vulgo EUROS, até o 'palhaço' se vai...

    BdC... que fez tudo ao contrário... que nos re-encantou com a unicidade do que é ser SPORTING... e que nos catapultou novamente para a vitória, começando, por força das necessidades, pelos cifrões... precisa, não de pouco, mas menos deles que a canalha que nos ia destruindo... É que como diz o povo... Isto de ser SPORTING não se compra... e só sentindo, verdadeiramente, o clube é que nos mantemos fieis a ele...

    TEM A PALAVRA..., O SPORTING CLUBE DE PORTUGAL...!!!

    "O Dia" está ai... Não te suicides Sporting...!!! (Não terás outra oportunidade)

    SAUDAÇÕES LEONINAS

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  6. Tudo muito bem, mas quero-os longe da zona saloia.

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  7. Excelente texto. Enquanto os Croquetes, não forem impedidos de fazer guerrilha interna, quiserem um Club para gente bem, de boas maneiras, boas famílias, que a vitória não é o mais importante, o Grande Sporting Clube de Portugal, não pode existir, com agora existe, regressou! Não me interessa um Presidente "menino bem", bem falante mas que não defensa o clube com unhas e dentes e que não tenha ambição de querer um Sporting como a maior potência desportiva nacional, que é o que agora o Sporting é. Basta ver os paineleiros e alguns pasquins afectos à lampionagem a dar tudo por tudo (influenciando) para que o Dr. Bruno de Carvalho saia do Sporting. Saía-lhes a sorte grande (!) e o Sporting deixaria de contar para alguma coisa. Neste momento pela pujança, financeira e desportiva, o Sporting Clube de Portugal é neste momento um clube mais temido pelos rivais. Sobre a batuta do Dr. Bruno de Carvalho e respectiva Direcção, o grande Sporting voltou. É, por isso que logo estarei na AG a votar a favor as propostas desta Direcção. Saudações Leoninas.

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  8. Atenção, para a AG é necessário levar Cartão de Sócio (ou Gamebox) e Cartão de Cidadão.

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  9. E correu tudo bem. A grande maioria que quer o Sporting de volta, forte em todos os domínios e sem complexos, um verdadeiro clube (desportivo, não de cavalheiros) e não apenas uma empresa de futebol, lá esteve e manifestou-se, mostrando que os outros têm a cobertura dos media mas não dos sportinguistas.

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