terça-feira, 12 de agosto de 2014

Os "soldados" perdidos

Hiroo Onoda é um japonês, ou melhor, era. Morreu em Fevereiro deste ano. O Hiroo viveu entre 45 e 74, escondido do mundo, já que acreditava estar ainda em plena frente do pacífico da 2ª Guerra Mundial. A notícia correu mundo pela enormidade do desfasamento com a realidade, especialmente pelo desperdicio de uma vida por uma causa perdida.

Pois eu e todos os sportinguistas apesar de conhecermos poucos japoneses, devemos, cada um, conhecer bem mais “soldados perdidos” no campo futebolístico. Estão a ver aquele tipo, vamos chamar-lhe convenientemente de “Zé Manel” que paradoxalmente compra religiosamente um diário desportivo, ouve todos os programas da radio sobre bola, vê toda a cangalhada de paineleiros que popula nas TVs…e depois diz à boca cheia “Eu não vou à bola! Dar dinheiro a esses chulos! Isso é que era bom!”

Todos têm direito a ser o adepto que quiserem, mas tenho de confessar que muitas vezes tenho de refrear o Chuck Norris que tenho cá dentro para não aplicar na hora um daqueles golpes que têm o condão de ser particularmente humilhante para quem o sofre. Por mais que encarne a figura socrática de respeitar e tentar estruturar qualquer argumento como válido, aquilo parece-me sempre…estúpido.

Mas não me limito ao insulto. Eu explico porquê. Ir à bola não é só escolher o meio de transporte, chegar ao estádio e entrar, sentar no lugar e ver o jogo, sair do estádio e ir para casa. Isso é a experiência do sofá aplicada à lógica fora de casa. Ir à bola é muito mais do que isso. Há qualquer coisa de rito ali misturada. Qualquer coisa que nos pacifica com o desporto, às vezes até mais do que praticá-lo (que também aconselho vivamente).

Para mim, ir à bola, é como ir visitar a família. A família mais cool e animada possível. Uma família que se está a cagar para os teus dramas e problemas existenciais. Se estás lá, tás bem. Se estás lá, estás com todos e todos estão a partilhar o mesmo: o amor ao clube. O centro não és tu. Tu és só mais um e todos nos comportamos seguindo rigorosamente este contrato.

Esta sensação de abandono torna-nos menos egocêntricos e a pertença torna-nos mais ligados a algo que não depende do quanto tens na carteira ou em que colégio é que pões os teus filhos. É ir à bola que nos impede de deixar de gostar da “bola”. No dia em que me transformar em “Zé Manel” peço a uma alma sportinguista caridosa, que me meta na mala de um carro e que me largue em plena Praça da Maratona em dia de jogo.

O “Zé Manel” refugia os seus argumentos normalmente na falta de verdade desportiva e no facto de muitos dos estão no centro do negócio desportivo enriquecem a olhos vistos. Ora, isto é pior que ficar numa trincheira 30 anos depois da Guerra acabar. Primeiro porque a falta de verdade desportiva não o impede de comprar o jornal ou despender 40 horas semanais a ver e ouvir tudo o que é programas de “bola”. Segundo porque não é só no futebol que bandalhos fazem fortunas. Se fosse por aí, o Zé Manel não votava, não ia a restaurantes, não ia ao cinema, não jogava no Euromilhões, não ia a discotecas, não tinha conta em nenhum banco, não via TV, não ia ao supermercado, não tinha telemóvel nem comprava roupa em nenhuma loja do grupo Inditex.

O Zé Manel não sabe, mas devia saber, que seria uma pessoa bem mais feliz se juntasse todo o dinheiro que investe mensalmente em “propaganda barata” e o convertesse numa Gamebox anual. De 15 em 15 dias teria acesso a doses regulares de realismo, convívio e paixão fidedigna em vez de se intoxicar diariamente com cinismo e hipocrisia, dando o seu dinheiro aí sim aos “chulos” do sistema.

Depois de ir à bola, o nosso amigo, descobriria que o verdadeiro paineleirismo é feito à beira das roulotes 1h30m antes do jogo. Descobriria que todas as reflexões de Miguel Sousa Tavares cabem numa beata encostada ao torniquete. Descobriria que vestir uma camisola e colocar um cachecol, seja de que marca e época for, vale por todos os genéricos com o som de claques mal misturado com musicas de banco digital. Descobriria que a grande maioria da informação e debate à volta da “bola” é feita para pessoas que não gostam de “bola”.

Da próxima vez que virem ou ouvirem um “Zé Manel” pensem no Sr. Onoda e façam-lhe um favor, digam-lhe para sair da trincheira.

SL






9 comentários:

  1. Saí da trincheira, lá estarei na Superior "B" Norte a acompanhar o espectaculo proporcionado pela nossa equipa e pelas nossas claques...

    Bye bye trinchadores...

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  2. Eu este ano comprei box para mim e para a minha filhota, lá estaremos no B17!!!

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  3. Comprei a minha primeira Gamebox e lá estarei a apoiar o Sporting! Estou ansioso por viver tudo o que envolve um dia de jogo em Alvalade e farei questão de ir com a antecedência necessária para os viver como deve ser.
    SL

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  4. Lindo, um dos melhores posts! Concordo na integra...
    Esse fenómeno é parecido com cobardia eheheh

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  5. Brilhante texto.
    Há 12 anos que saí da trincheira e faço tenção de continuar a ir à bola!

    saint
    SL

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  6. Infelismente ...temos muitos "soldados perdidos" nas nossas trincheiras...

    Lá estarei também na A22...

    SL

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  7. "infelizmente" e não como escrevi antes...

    SL

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  8. Vamos a contas:

    O Manchester ofereceu 20 milhões pelo Rojo. O Sporting detém 25% do passe, o que dá 5 milhões de euros. Como ainda devem 1 milhão ao Spartak que têm de ser pagos até 2015, então 5-1=4M. Por fim, o Spartak tem direito a receber 20% da transferência. Ora, 20% de 20M, se não me falham as contas, são 4M.

    4-4= ? eh eh eh

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