sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Aviso Laranja

Há décadas que assistimos à perda de influência do jogador formado em Portugal. Uso intencionalmente esta designação. Isto nada se relaciona com raça ou nacionalidade, é uma questão desportiva e sobretudo de racionalidade de aproveitamento de recursos.
Somos dos países com seleções jovens mais promissoras, mais competitivas e não fora a "batalha campal" que um determinado clube vem a fazer há anos para conseguir depositar jovens nos vários escalões da FPF (forçando à escolha de seleccionadores de espinha dobrável) e...poderíamos mesmo ser senão a melhor, das 3 melhores - juntamente com a Espanha e a França.

Ainda assim, prova-se cabalmente que os emblemas portugueses conseguem formar jovens de inegável talento. Até com as equipas B, o nível dos estreantes no escalão profissional melhorou a olhos vistos. Os Sub19 e Sub21 conquistaram mais espaço. Mas estamos a falar em poucos emblemas no panorama nacional e logo os que têm também massas associativas mais exigentes, que exigem resultados, mais do que exigem aposta na formação. Olhamos para os plantéis dos clubes da Primeira Liga, estranhamente não vemos o reflexo nem do trabalho das equipas B, nem da subida de estatuto do jogador nacional - campeão europeu em título, nem sequer das largas centenas de escolas de futebol que têm operado por todo o pais há mais de 10 anos.

O Vitória (de Guimarães) entrou ontem em campo, em jogo a contar para a fase grupos da Liga Europa com um onze onde não figurava sequer um português. Não adianta apontar o dedo ao clube minhoto, não está sozinho, aliás...pertence à maioria. A verdade é que se olharmos aos onzes iniciais dos clubes da Liga principal em qualquer jogo da prova, vamos constatar que esta ocorrência está mais do generalizada, direi mesmo...banalizada. São brasileiros, venezuelanos, paraguaios, malianos, costa-marfinenses, chineses, marroquinos, búlgaros, enfim...tudo menos o que seria mais lógico e racional, jogadores formados em Portugal.

E porquê que isto acontece? Não podemos pensar que os gestores dos clubes profissionais são todos burros ou menos desportivamente patrióticos. Não vamos de certeza pensar que os treinadores preferem sempre atletas que não saibam ou compreendam mal a língua portuguesa. Não. Há mesmo dados que explicam o porquê desta enxorrada permanente de jogadores oriundos de outros campeonatos (na maioria muito inferiores às nossas provas ou capacidade de formação). Deixo aqui alguns exemplos:

1/ A influência dos empresários Vs Estado das finanças dos clubes

Clubes no limiar da bancarrota agradecem atletas "fornecidos" a custos muito reduzidos e "comparticipados" pelos empresários. É bom para os clubes que ficam com encargos compatíveis com o dinheiro que não têm. É excelente para os empresários, que colocam todo o mostruário em ligas de muita visibilidade, indo buscar atletas por tuta e meia a paragens onde ir para Portugal é uma oportunidade única de entrar na montra maior do futebol europeu. Muito haveria por dizer sobre estas novas Rotas da Especiarias futeboleiras, mas este post não é só sobre este problema.

2/ As regras da compensação financeira por direitos de formação

Se os clubes médios ou mais pequenos não têm dinheiro para investir, também não têm dinheiro para indemnizar os que mesmo sendo ainda mais "pequenos", têm direito a valores fixos pelo seu trabalho de formação com atletas. Isto pode parecer ínfimo à maioria dos adeptos, mas esquecem-se que o que é ínfimo para clubes com orçamentos de 70 milhões, é demasiado para a maior parte dos outros que subsistem com orçamentos virtuais que nem chegam aos 2 dígitos. Na verdade a grande maioria dos emblemas profissionais mal consegue pagar as suas despesas, o que retira margem para devolver 5, 10 ou 20 mil euros a um clube pelo seu trabalho de formação.

3/ O efeito "Ronaldo, Figo ou Rui Costa"

Não são só os empresários e as regras de transferências que destroem a capacidade de ascensão do futebolista formado localmente. Os próprios jogadores e envolventes familiares também não ajudam.
Quem já viu um jogo de escalões mais baixos de clubes menos mediáticos saberá do que estou a falar. A promessa de milhões, de uma possível vida milionária, a pressa e avidez de desafogo financeiro destrói completamente a capacidade de muitos jovens em afirmarem-se na fase final das suas formações.
A pressão é esmagadora e quanto mais perto da "grande porta" do profissionalismo, mais sufocante se tornam os contextos sociais à volta dos jovens atletas. Muito poucos resistem, afirmando-se na plenitude, pondo os dois pés dentro da galeria principal. Ninguém o admite, mas entre os 17 e os 19 anos, a maioria dos nossos jovens cede e perde a alegria de jogar. Entra na sua fase final da juventude com sérias dificuldades de corresponder a todas as inúmeras exigências à sua volta. O insucesso, que deveria ser normal e até forma de aprendizagem, não é uma opção e às vezes são mesmo os que os deveriam apoiar em qualquer contexto, os portadores desses ultimatos.

4/ A ausência de regras incontornáveis de defesa do atleta formado em Portugal

Todos sabemos que sem regras (sem buracos ou omissões) nada deste panorama mudará. Tudo continuará na mesma até que não se possa regularmente fazer. Há opções para todos os gostos. Continuo a achar que limitar a contratação de jogadores estrangeiros é uma obrigação, tal como acho essencial a limitação de jogadores sob contrato dos clubes, tal como penso ser evidente que deve existir uma regra de número mínimo de atletas formados em Portugal na composição dos plantéis dos clubes profissionais, incluíndo as equipas B's.

Só mudando muito do que foi aqui apontado (e haverá muitas outras razões) poderemos evoluir para ultrapassar este verdadeiro aviso laranja que nos foi mostrado no jogo em Guimarães. E será muito importante que o façamos, pode não parecer mas estes problemas têm (como se diz agora) muitos vasos comunicantes com os maiores problemas da sustentabilidade do futebol nacional e isso ninguém da FPF ou Liga poderá desmentir. Pena que não tenham qualquer acção na sua correção, mas infelizmente é esse o modus operandi do status quo...zero acção.

Saudações Leoninas

6 comentários:

  1. Mais um post estrutural, mais um post que vai ter um ou dois comentários...infelizmente, o pagode preocupa-se mais com as tricas do que com o desenvolvimento sustentado do desporto no país.

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  2. Muito interessante e válido tudo o que é dito neste post. O que me preocupa é que este tipo de reflexão só aparece quando uma equipa portuguesa apresenta 11 estrangeiros não-europeus. Sinceramente não percebo porque é que o continente de origem dos jogadores estrangeiros se torna mais importante do que o simples facto desses jogadores não são portugueses. Quantas e quantas vezes já vimos equipas portuguesas alinhar só com estrangeiros? Bastantes, mas parece que se muitos ou alguns desses estrangeiros forem europeus "já não é assim tão mau". Incompreensível.

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  3. Excelente texto, aqui está a realidade nua e crua do jogador formado em Portugal, eram assuntos deste calibre que deviam estar na agenda de discussão desses "comentadeiros" que pululam pelas televisões portuguesas....

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    1. A Leoa Maria é uma sonhadora... Deixo-lhe uma só questão: quantos dos actuais comentadeiros têm capacidade para desenvolver e discutir um tema destes?

      De que iriam viver, depois, tantos acólitos e sacristães, tipo calados, guerras... da caixa de esmolas dos padres, de subvenções do bispado?

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  4. A Liga(FPF) tem culpa, muita culpa por este estado de coisas.
    Quanto a mim, deveria obrigar os clubes a utilizarem um mínimo de jogadores portugueses nativos em cada jogo, sendo obrigatório, também, terem sempre um em campo.
    Seria mau para os clubes? Não!... Seria muito, muito mau para os empresários, mas bem pior seria se, por cada 3 estrangeiros em campo, tivesse que estar um português.

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  5. Money talks. Empresários sul americanos, tem dinheiro ( coca ) para investir/lavar em jogadores durante 2/3 épocas até os venderem a países que realmente pagam dinheiro verdadeiro ( gás e petróleo )

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