domingo, 26 de outubro de 2014

Os herdeiros da bola

Quem lê este blog desde há algum tempo que já reparou que há um tema a que regresso constantemente - o número de espectadores em Alvalade. Não deixa de me espantar, confesso, pela negativa a incapacidade para passarmos a barreira dos 40.000 espectadores. Na verdade este número é um mim excepcional. Na maioria dos jogos somos à volta de 32/35 mil...em más épocas no passado chegámos aos 22/24 mil.

Sei que não somos os únicos, os nossos vizinhos de Carnide tendo muitos mais associados (e tirando os 40% da tanga, mesmo assim são mais) também sofrem do mesmo problema...no porto a coisa ainda é pior. Mas temo que as desculpas estejam desfasadas da realidade. Os diagnósticos baseados na crise e perda de poder de compra de certeza que roubam muitos espectadores, mas eu também me lembro dos anos 80 e de os bilhetes serem caros e dos estádios estarem bem mais cheiros (com quase o dobro dos espectadores). Habituei-me a ir à bola com médias de 40/45 mil em jogos pequenos e 60 ou mesmo 70 mil em grandes jogos.

Temo pela nossa incapacidade como geração intermédia e a dos nossos pais entenderem o que não atrai no futebol aos putos com 15, 16 ou 17 anos. Por motivos profissionais sou "obrigado" a conhecer minimamente todos os targets e a verdade é que este grupo que gasta rios de dinheiro em roupa, concertos e festivais, telemóveis headphones entende o futebol como um espectáculo essencialmente de tv assim como entende o cinema como streaming no portátil ou ignora simplesmente coisas como o teatro, a poesia, a dança, a ópera ou exposições de arte.

Quando eu tinha esta idade ir ao futebol era uma festa e era unânime. Principalmente os rapazes eram por definição adeptos. Muitos eram sócios, alguns pertenciam a claques, mas os que sobravam eram adeptos e indo menos à bola, desejavam fazê-lo sempre que possível. Hoje isto é uma miragem. A maioria diz que é adepto de um clube, vê ocasionalmente os grandes jogos, segue por blogues e paginas de facebook a actualidade desportiva, mas a verdade é que não se sentem identificados com a vida do seu clube, O futebol para estes é apenas mais um entre muitos tipos de entretenimento e fica bem longe de lhes ocupar o tempo como a Playstation, o YouTube, o Facebook ou ver filmes e séries como quem "despacha" serviço no guichet das finanças.

Ir ao estádio deixou de ser uma necessidade ou um ritual. Ser sócio deixou de ser uma questão de identidade ou pertença. O mundo mudou e os clubes não se adaptaram a este novo "consumo". Insiste-se em velhas receitas e a retouch em velhas plataformas...não pega. Cada vez irá "pegar" menos e o envelhecimento da nosso população isola os targets mais jovens em nichos menosprezados pesadelos de marketing em que se desiste, principalmente no futebol.

Ir a Alvalade é tantas vezes uma visita a uma população de maioria 45 a 65 anos com algumas pinceladas dos 30 a 40 e cada vez menos da população mais jovem. Quando era criança o mapa era o mesmo mas o poder de compra dos teens era quase inexistente e os que não iam com os pais, simplesmente não iam. Calculo que nos próximos 10 anos o cenário irá agravar-se...o poder de compra das famílias não irá melhorar assim tanto e o desinteresse pelo "vergonhoso" futebol português progressivo.

A renovação do nosso desporto-rei não é uma necessidade é uma urgência, a perder terreno desta forma em pouco tempo os sócios pagantes pouco passarão dos 40 mil que serão basicamente o número máximo de público nos grandes jogos. Isto terá reflexo nos clubes como marcas e na sua relação com os patrocinadores. O dinheiro entrará a conta-gotas e a capacidade de investir reduzida a mínimos. O financiamento paralelo irá ter um poder exagerado nos que forem tentados a continuar a ter velhos vícios e as tv´s cada vez mais inteligentes a negociar os direitos televisivos, sabendo que são o oxigénio dos orçamentos anuais.

Se queremos assegurar as próximas gerações de sócios e consumidores activos de futebol, não vale a pena preocuparmo-nos com quem ganha os campeonatos, pois cada vez menos isso terá importância...o campeão terá tanta ou mais dificuldade em renovar-se para novas conquistas como qualquer outro. As grandes vitórias do Sporting não serão as Ligas ou os pontos da Champions, mas sim a sua viabilidade como macro-estrutura desportiva. Não tenhamos ilusões, o Andebol, o Basket, o Voleibol, Hoquei ou Atletismo terão muitas dificuldades em emergir do regresso ao amadorismo assim que os grandes portugueses começarem a "emagrecer".

O Jornal do Sporting, um verdadeiro reduto de brio clubístico valerá pouco face à força das redes sociais, a Sporting TV por mais jovem que seja será sempre uma sombra do canal do YouTube oficial e os lugares nas bancadas muito menos relevantes que os pay-per-view acessíveis por 3 ou 4 euros. O futuro do futebol como espectáculo ao vivo e no estádio depende da limpeza de coisas incompreensíveis ás novas gerações como a corrupção, a ausência de verdade no jogo (tecnologia ao serviço dos árbitros) ou o desconforto de saber se vamos ser insultados, cuspidos ou agredidos num dia de azar.

Simplesmente será impossível de explicar porque é que é tão bom ir à bola quando em tantas coisas aquilo que se vai ver é pobre, ferido de verdade ou inseguro. Pessoas como eu habituaram-se a isso, mas se nos colocarmos de fora e aos olhos de quem não acha que a bola é a última coca-cola no deserto...veremos o panorama negro que nos espera quando os putos passarem para o lugar de decisores dos seus orçamentos familiares, seja lá o que isso queira dizer daqui a 10 anos.

Acordem senhores das FPF, pois talvez sejam também vocês os últimos grandes lambões corruptos na cúpula de qualquer coisa socialmente bastante relevante. Os vossos filhos talvez não tenham tanta saída nos ordenados principescos das SADs compostas por capital especulativo mais apostado em lavar lucros asiáticos do que fazer de um clube campeão.

Vamos pensado nisto...

SL

5 comentários:

  1. Excelente reflexão. A verdade é que na Alemanha e em Inglaterra apesar de todos os novos interesses dos mais jovens os estádios estão cheios. Hoje em dia, o futebol português não vende a experiência que é assistir à bola ao vivo. A nossa liga devia ser mais competitiva e com mais futebol positivo. Os clubes e a Liga deviam dar um maior acesso dos adeptos aos jogadores. Podiam fazer documentarios como os que a liga inglesa faz que aproximam o sentimento de reconhecimento entre atletas e adeptos. Outra coisa a melhorar é os horários dos jogos. Têm de ser a horas próprias para os adeptos e não para as tvs. E o preço dos bilhetes tmbém podia ser um pouco mais reduzido. Apeaar de mais baratos con mais espectadores os clubes nem perderiam receita.

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  2. "...Acordem senhores das FPF ..."

    Eles "já acordaram" (não no sentido de "abrir os olhos"...), antes acordaram manter o "status quo" e habituados que estão "à posição das nádegas...", pensam que nada haverá que possa retirá-los da "posição comoda de instalar o traseiro nas cadeira do poder" e como vão acumulando nas contas bancárias privadas o peculio recebido pelo mal que vão continuando a fazer ao futebol luso, pouco se preocupam com o facto de estar a matar "a galinha dos ovos de ouro", porque entretanto, as "omoletes que vão cozinhando", servem prefeitamente aos seus desígnios...

    SL

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  3. Concordo com tudo, especialmente sobre a necessidade de credibilizar o futebol. Mas uma coisa que está para além do futebol: a actual geração de adolescentes/jovens adultos é tenebrosa e os pais têm muita culpa porque não os sabem educar. Eu oiço coisas de professores que eu não sei se aguentava uma semana a fazer esse trabalho. E atenção que é um problema TRANSVERSAL às classes sociais, porque sei que se passa tanto no ensino oficial como nos colégios privados, em que nem os pais pobres nem os pais ricos sabem educar os filhos. Se num lado batem nos professores, no outro metem advogados ao barulho contra os docentes, porque nem se pode tocar no sua prole mal formada. Uma VERGONHA!

    E se queres que te diga, as redes socias e os iphones, ipads, etc, são parte do problema porque os miúdos não vêm mais nada à frente. Não era por acaso que os filhos do Steve Jobs e de outros magnatas das tecnologias não tinham autorização para ter acesso a essas coisas enquanto não crescessem. Esses pais lá sabiam porquê...

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  4. Caríssimo Javardeiro:
    Excelente análise, a sua.
    Deixe-me acrescentar apenas uma pequena nota pessoal: comprei quatro lugares na bancada A5 quando o Estádio novo abriu. Os meus três filhos eram pequenos, escolhi cuidadosamente, para serem o mais acima possivel, para ficar debaixo da bancada B, e assim tê-los ao abrigo de objectos voadores. Pensei na altura: vou ver aqui jogos com os meus filhos durante muitos e bons anos.
    Triste engano: logo no primeiro ano, pimba, claques adversárias na A7, o que apesar das minhas reclamações, e de outros vizinhos de lugar, esbarrava na resposta: quem decidiu onde colocar essas claques foi a polícia!
    Cheguei a ver um jogo com o benfica, separado de uma turba ululante por um cordão de policia de choque, já que vedação não havia.
    Quando finalmente mudaram as claques veio a febre das gameboxes. Hoje, pedem-me por cada lugar anual cerca de 400 €, enquanto uma gamebox na bancada B pode custar 100€.
    Num estádio tão moderno como o nosso, com excelente visibilidade, qual a razão para apertar tanto quem investiu no Estádio desde a raiz?
    Pois é, você tem toda a razão, os Clubes hoje pensam no sócio para pagar, porque as regalias que dão encontram-se muito melhores, por exemplo, num cartão de supermercado ou de um clube automóvel.
    O que se pode fazer melhor, não sei, mas decerto o Clube tem pessoas que poderiam pensar em, em lugar de fazer mais do mesmo, inovar!
    Um grande Abraço,
    José Lopes

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  5. Desculpe, esqueci-me de dizer que cada lugar, por vinte anos, custou 2000€. E a promessa, como agora vejo para o pavilhão, do nume num mural. Espero que não repitam a graça agora do mural do Estádio, que da última vez que o vi, quando levei o meu mais pequeno a visitar o Estádio, era... um roll up em tela!
    Isto para não falar de um tio meu que tinha um lugar vitalicio no Estádio anterior, pago a peso de ouro e que, quando fomos para o novo Estádio, levou com um lugar na bancada B, por alguns anos, como especial favor.
    Tenhamos esperança que tudo mude!
    Outro Abraço,
    José Lopes

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