Ser e Gostar

Ser pescador é muito diferente de gostar de ir à pesca. Ser de Lisboa e gostar de passear em Lisboa são coisas diferentes. Ser do Sporting e gostar do Sporting também são duas coisas completamente distintas.

Há muitos anos que existe gente que confunde as duas coisas. Essas pessoas baralham o sentimento que têm pelo clube. Na verdade acho que gostavam de “ser”, mas não entendem que isso não é uma escolha. É uma paixão com que se nasce, não é típica de gente sem status, interesses ou QI, é mesmo só uma questão de sentir.

Vai muito para alem de futebol, para alem de títulos, de ajuntamentos de massas, camisolas, cachecóis ou conversas de café. Há qualquer coisa de hipnótico naquelas riscas verdes...que nos fazem gostar de coisas com as quais não temos relação apenas porque são verdes, apenas porque têm o símbolo do Leão.

Isto é algo que quem “gosta” apenas do Sporting não consegue compreender. Para esses o nosso clube é apenas mais um interesse que rivaliza com os automóveis, a moda, o cinema ou a telenovela...nem sempre tendo a prioridade...

Para mim que pertenço aos que não conseguem “desligar” o Sporting é impossível ficar indiferente a qualquer coisa que envolva o clube, tal como não consigo (mesmo detestando a ocasional má equipa ou má direcção) arquivar a camisola ou o cachecol como muitos o fazem.

Aliás só consigo explicar os números actuais da nossa colectividade através da dualidade desta condição de adepto. O Sporting terá cerca de 2.5 a 3 milhões de pessoas que gostam do Sporting e não pessoas que são do Sporting. Esses serão muitos menos, o que pode explicar (além da crise económica) porque é que temos muito menos de 100.000 sócios pagantes, estamos a falar em “apenas” 2.5% do todo dos adeptos.

Para mim o verdadeiro desafio do Sporting não é vencer campeonatos, mas sim fazer com que surjam mais pessoas “do Sporting”. Pode parecer a mesma coisa, mas não faltam pela Europa exemplos de clubes que vencem campeonatos atrás de campeonatos sem qualquer traço de cultura própria para lá de um logotipo e uma camisola.

Para isso o clube tem de reforçar a sua identidade e apostar tudo no enriquecimento dos seus símbolos (humanos, físicos ou culturais). A experiência de ir a Alvalade tem de ser única, o nosso estádio tem de ser a nossa casa, os nossos equipamentos desportivos têm de reflectir a nossa história, os nosso hinos têm de passar os nossos valores. Os nossos heróis tem de ter lugar e destaque na memória do clube (e isso não quer dizer tachos). Os jogadores profissionais ou amadores têm de honrar aquele emblema e camisola que vestem, independente do que ganham, do que recebem ao fim do mês ou do clube que são “desde pequenos”.

Os adeptos têm de defender o clube e não atacá-lo ao abrigo daquela velha máxima de “sou contra esta direcção”. Eu conheço algumas pessoas que “não são as maiores fãs desta direcção”...há 3 ou 4 direcções consecutivas. O problema será quem preside ou há mais qualquer coisa que continuamente não há disposição para dar?

Todos sabemos que quando o Sporting se apura para uma final ou se destaca em primeiro lugar no futebol, os adeptos no estádio aumentam magicamente. De repente o número de Sportinguistas fervorosos duplica ou triplica. Para quem não desliga, ou neste caso não liga o turbo de adepto, porque o tem sempre no máximo chega até a ser constrangedor lidar com aquelas pessoas que passam a ocupar as cadeiras sempre vazias.

Depois tão rapidamente como apareceram, desaparecem sem que se entendam exactamente o que conquistaram para as suas vidas para alem de umas selfies em Alvalade postadas no facebook acompanhadas de mensagens de amor eterno a algo que vão esquecer nos seguintes meses ou anos se não for fixe ou cool no momento.

Para quem “é” do Sporting, as coisas são fáceis de resolver: não há timing, não há barreiras, não há cansaço nem exageros. Somos assim, Somos do Sporting.

SL