sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Sobre a "italianização" do Sporting

Se posso servir de alguma coisa, escrevendo numa rede social, talvez a minha opinião sobre o estilo de jogo "à italiana" referido por JJ,  possa ser uma delas. A forma de jogar leonina não nasceu esta época e muito menos apareceu com a lesão de Gélson. A minha opinião é que JJ vem a desenvolver o mesmo modelo de jogo (com nuances óbvias) há mais de 4 ou 5 épocas. Este modelo não é estático, evolui, conforme a compreensão do jogo e experiência do treinador. Desconfio até que tenha sofrido mais alterações com a observação de determinadas equipas de sucesso europeias que implementaram as inovações que o "Cruiff da Reboleira" achou por bem tentar introduzir nas movimentações das suas equipas. 

Uma das maiores, talvez seja mesmo a passagem de um comportamento de desdobramento atacante em velocidade, assente em superioridade numérica na zona onde anda a bola...que era a assinatura de JJ e que passou a ser hoje em dia uma manobra assente no avanço coordenado das linhas para, oscilando a posse de bola de uma ala para a outra, encontrar espaços onde a preocupação dos adversários é tapar e não roubar a bola. A probabilidade de perder o controle da posse é muito reduzida, os contra-ataques raramente encontram o Sporting mal posicionado (esqueçam por momentos o golo de Setúbal, tá?). 

É isto que as equipas italianas fazem? Sim, há 20 anos, pelo menos. Mas não sei de servirá assim tanto de referência o comportamento das equipas transalpinas. Acima de tudo porque em Itália, não é assim tão importante o assegurar de largos períodos em posse de bola. Pelo contrário, prescindem da mesma abnegadamente, pois procuram muito mais o momento de desposicionamento pontual e muito pouco a especulação sobre um adversário perfeitamente equilibrado em postura defensiva.

Pode parecer a quem acha que as equipas maiores criam oportunidades sucessivas quando enfrentam as equipas ditas mais pequenas, tal é cada vez menos verdade. E enquanto noutras ligas, mesmo nesses jogos, há algum equilíbrio na divisão dos momentos de ataque, em Portugal, a maioria dos clubes enfrenta “os grandes”  dando o controlo total da posse de bola ao adversário, juntando (aquilo é mais “colando”) as linhas e reduzindo os espaços para jogar. O zero-zero é o objectivo e a derrota por “poucos” o prémio de consolação. Por vezes chegam até a vencer, aproveitando a subida total dos favoritos e o natural descontrolo posicional que surge quando já estão 2 pontas de lança na área acompanhados da subida de um central. Dois passes a rasgar o meio-campo e…3 pontos a cair no bolso de quem só trabalhou para somar 1.

JJ é um diplomado da nossa Liga. Haverá pouco que não conheça quer dos treinadores, quer dos jogadores da nossa Liga e entendendo este enquadramento, tenha mudado o modelo de construção de oportunidades, adaptando-o uma postura de produzir desgaste nas coberturas do adversário e não na tentativa de as romper ad hoc. Se olharmos a forma de atacar o golo no andebol ou basquetebol podemos entender melhor esta lógica. Há sempre dois movimentos com duas funções específicas. Há a dinâmica de procura de espaços e só depois a tentativa de os ocupar, não acontecem simultaneamente, mas numa cadência, sobre uma lógica pré-determinada.

O problema é que para o espectador, esta primeira fase não parece nada dinâmica, dando até a sensação a muitos que estamos a “engonhar”, “com falta de ideias”, “desinspirados”. De certa forma isso até é verdade, mas não vejo esta operação como disfuncional, bem pelo contrário. Já ouvi quem diga que se criam menos oportunidades de golo, quando se especula durante tantos minutos de jogo. Também devemos atender ao facto e não ao acaso de ter sido quando JJ juntou Dost e Bruno Fernandes que este modelo mais se enraizou. Ao ter um avançado com uma eficácia tão elevada e homens capazes de encontrar forma de o servir, há sem dúvida razão para acreditar que o melhor a fazer é tentar andar a rodear a área à procura do melhor momento para colocar alguém a desequilibrar os defesas adversários até Dost ter o mínimo de jogadores a marcá-lo ou a cortar a linha de passe para golo.

É um modelo que também funciona pelos jogadores que JJ tem à sua disposição e, sendo frios na análise, tem resultado contra a maioria dos emblemas. Sofremos mais para construir contra clubes que não se “sentam” na defesa, mas sofremos menos contra todos os restantes (que são 90% do total). O Sporting marca sempre e Dost já espreita a marca dos 30 golos no final da Liga. Isso é prova de sucesso intermédio da táctica e deveria merecer por parte de nós, adeptos leoninos, um pouco mais de paciência e confiança no trabalho e nos resultados obtidos até agora. Não é fácil, mas é possível.
Como é óbvio, agora com as lesões de Podence, Gelson e Dost, o sistema de jogo terá de ser alterado. Doumbia não tem a capacidade posicional de Dost, nem o físico para disputar com os centrais, o espaço na área para recepção. Mas tem outras capacidades. É mais veloz, obriga os defesas a mais deslocações, pode e deve abrir mais espaços para a entrada de outros colegas na missão de marcar. Não será o melhor comparsa para combinações curtas (falha imenso no passe rápido), mas é muito mais complicado de marcar e é com estas qualidades que JJ pode jogar, não tendo nenhum Dost 2 para poder apostar. 

Mais difícil é conseguir substituir Gélson e as últimas partidas mostram isso mesmo. Não temos repentistas e muito menos alas que consigam acelerar o jogo. Nem Ruben Ribeiro, nem Ruiz, nem Bruno César, nem Acuña têm esse perfil. É um problema e frente ao Guimarães e Setúbal (na final da Taça da Liga) vimos o quanto JJ ainda tem que trabalhar para encontrar uma solução mais viável. Bruno Fernandes na posição tem revelado ser mais um duplo erro do que uma resposta. Além de perder a influência do jogador na manobra da equipa e remate exterior, não revelou (ainda) a capacidade que por exemplo tinha João Mário de saber exactamente onde estava o espaço para receber a bola entre as linhas. Entendo que o nosso treinador não queira procurar soluções fora do plantel actual e talvez até ache que o tempo que demoraria a incluir um jovem da equipa B nessa missão seja maior que esperar por Podence ou Gélson, mas a verdade é que para já, Houston tem mesmo um problema e terá que ser resolvido.


SL

7 comentários:

  1. Muito bom, Javardeiro.
    Obrigado pela análise. Doravante, perceberei melhor as dinâmicas que posso esperar deste Sporting "à italiana".
    As lacunas do modelo também estão identificadas, essencialmente pela ausência das pedras fundamentais.
    Penso que nos falta ainda algum poder de fogo, só Bruno Fernandes... é pouco.
    E claro, falta também o JJ vestir Armani.

    SL

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  2. Considero o modelo de desgaste prolongado mais seguro do que um modelo de blitzkrieg - mas é mais enfadonho. Concordo com a observação de que colocar Bruno Fernandes na posição de Gelson é um duplo erro - perde-se de um lado sem se ganhar do outro. A solução seria um Iuri que teve dificuldades em gerir a pressão.

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  3. Obrigado pela análise. Não sei se acredito se esta forma de jogar é propositada ou simples falta de ideias de jogo (ofensivo), ou de 'velocidade' para mais, mas acreditando na estratégia exposta:

    O problema é que o Sporting tem obrigação de ganhar todos os jogos. Jogando desta forma estamos sempre mais perto de empatar do que de ganhar.

    Não havendo um momento de inspiração ou um cansaço da outra equipa estamos muito vulneráveis ao empate. Criam-se poucas oportunidades de golo o que para quem tem obrigação de ganhar é preocupante.

    O 'dar 45 minutos de avanço' ao adversário nunca é boa estratégia. E a verdade é que já são muitos jogos a ganhar pela margem mínima ou nos últimos 10 minutos.

    Por outro lado o Sporting praticamente abdica do contra-ataque, que é uma arma poderosíssima para desbloquear jogos. Claro se pode argumentar que aqui é uma adaptação aos jogadores que temos mas creio que é uma área onde falta treino e entrosamento da equipa para o explorar.

    No entanto a ideia preconizada não é má ideia, mas é necessário qualidade de passe e principalmente: velocidade a 'rodar a bola'. É isto que tem faltado.

    Para mim a explicação mais simples é mesmo a falta de condição física de todos os elementos ofensivos. Mais do que qualquer estratégia deliberada do nosso Cruiff. Quando faltam pernas, a melhor táctica do mundo parece banal :)

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  4. Sugiro que vão ao blog "A coluna do Pôncio" e saquem o dossier "Apito Encarnado", com link no tópico de 01/02/2018 mesmo por cima do sub título "O Sr. Octávio Correia", aqui vai o link para o blog: http://batalha1893.pt/2018/02/01/a-coluna-do-poncio-01-02-2018/

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  5. O Vasco Lourenço não pode dar lições de liderança a ninguém, andou sempre a "reboque" de outros e "marimbava-se" para os soldados, leiam o livro "Elites Militares" do Sg. Pq. Manuel Godinho Rebocho, para perceber o quanto é que esta coisa vale, porque foi castigado e humilhado por deixar os soldados passarem fome e estarem em condições desumanas. Ou procurem no seguinte blog por "vasco" : http://coisasdomr.blogspot.pt/2010/08/m239-manuel-godinho-rebocho-as-elites.html

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