A ilógica da personificação do sucesso

Não exclusivo a Portugal, mas infelizmente o nosso país é um exemplo do erro que é personalizar o sucesso (ou insucesso) de instituições enormes numa única pessoa. Por todas as actividades é mesmo cenário e o futebol é só mais um dos campos onde esta regra se aplica na perfeição.

Leva inclusivé muitas pessoas a perseguirem esta demanda absurda de querer ser "a personificação" dos troféus, dos orçamentos com lucro, das contratações sonantes ou tácticas ganhadoras. O que podia ser (e devia) uma lógica de divisão de responsabilidades...e mérito, é muitas vezes afunilada na construção de divindades absolutas e com os pés muito mais movediços que barro.

Jorge Jesus saiu, como o Carnide antecipara largamente através dos discursos do presidente. Longe estariam porém de imaginar que o fim de uma relação de 6 anos e imenso desgaste produziria este efeito de bulldozer sobre as expectativas dos adeptos, ampliado 3.000 vezes por uma imprensa infantil, que tem um prazer sanguinário em explorar as rivalidades, que sobrevive mais de polémicas do que investigação e rigor jornalístico.

A novela "e agora, sem/com Jesus" tem em pouco mais de uma semana milhares e milhares de comentários, reflexões, cenários, dores, pudores e mais qualquer coisa que se possa inventar para "esticar a massa". O produto interessa? Então que se coma. E temos comido, dia após dia, o mesmo prato. Mudam as pessoas, não muda em uma vírgula o que se diz.

Tanto Vieira, como BdC devem ter ficado surpreendidos. Um pela absoluta negativa, o outro espantado e maravilhado com o desfecho que a sua medida teve e terá ainda por mais umas semanas.
Ambos disputaram um jogo de paciência, ambos esperavam uma movimentação externa, que não veio a surgir, pelo menos da forma como a imaginaram.

No Carnide, esperou-se (se calhar contou-se) pela intervenção de Mendes. Assim que foi clara a verdade da manutenção de Lopetegui (que surpreendeu até alguns dos jogadores e muitos dos adeptos) o super-empresário estava livre de "cumplicidades" para exportar JJ. Não deve ter sido fácil, mas um polvo como Jorge Mendes chega a todo o lado, até a destinos distantes como Qatar ou Russia.

Por outro lado, BdC deve ter antecipado mais dificuldade em tirar JJ da renovação. A atitude de "purga" do seu congénere benfiquista ajudou que se fartou e literalmente o treinador bi-campeão foi parar ao seu colo. Jesus escolheu o Sporting, quando parece claro que nem a saída de Marco Silva estaria bem alinhavada.

A explosão nos media de uma simples mudança de treinador foi....total. Ao clube de Carnide pareciam ter sido arrancadas todas as hipóteses de sucesso, ao clube de Alvalade o destino inverso. A valorização da mudança foi tão grande que por vezes muitos comentadores diziam coisas tão absurdas como: "Isto vai mudar tudo no futebol português!....não, o Benfica não vai ter menos hipóteses de chegar ao título...sim, o Sporting continuará em terceiro nas hipóteses de sucesso"
Tem sido um chuto na lógica, na coerência e inteligência do público.

A passar ao lado de toda esta personalização do valem e valerão 2 clubes de futebol...está a verdadeira preparação para o sucesso. A moldagem das equipas. O Carnide ou a sua "infame" estrutura parece ligada à máquina de ventilação...o que não tem impedido os empresários de despejarem lá o habitual entulho. Carcela e Tarrabt são só uma repetição de Sulejmani e Jara. Ambos acompanhados por análises tão honestas como "Carcela é tecnicamente superior a Gaitan" ou "Tarrabt é um dos maiores talentos mundiais, um Cantona à espera do seu tempo".

Se o nível dos reforços do Carnide for este, a importância de Jesus já lá não estar é banal. Nem Mourinho faria de um amontoado de promessas permanentemente adiadas um clube campeão.

Do outro lado da 2ª circular, o Sporting parece mais ponderado. O investimento anunciado no plantel pode até ser focado em jogadores que já constam da folha de pagamentos. Cedric, Carrillo, Capel, William ou Slimani podem ter uma vida para além do expectável no Sporting, o que para mim seria uma óptima ideia. Apostaria bem mais no que já conheço do que, repito, entulho de empresários. Por outro lado, também nenhum atleta recebeu ao que se saiba ofertas compatíveis com as ambições do clube...portanto...nada como aguardar.

E enquanto aguardamos, podemos apreciar como se inicia mais um culto. O pré-deus do sucesso chama-se agora Rui Vitória. "Melhor que Jesus"...."Com mais currículo que Jesus quando chegou à Luz"..."Faz milagres com jogadores da formação"..."Vai ser maior que o Mourinho"..."Constrói equipas muito boas com tostões"....enfim é o que se quiser imaginar. Porventura na hora de uma eventual derrota será dito tudo ao contrário e será o único responsável pelo insucesso. Interessante como no Carnide o principal responsável pelas derrotas é o treinador e as vitórias o presidente, mas no Sporting é o inverso. Curiosa diferença.

SL