segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A irresponsabilidade

Muito se tem aplaudido o "puxão de orelhas" dado pelo presidente da FPF, Fernando Gomes, aos clubes grandes em Portugal. Não sei o que é mais hipócrita, se quem comete a hipocrisia, se quem a aplaude, conscientemente,

É que antes de analisar o mérito e a eficiência de chamar a atenção pela responsabilidade do clima de ódio e guerra instalado, teremos em consciência de entender qual é o agente a quem compete zelar pela saúde do tal "clima" competitivo no futebol. E essa entidade é claramente a organização liderada por Fernando Gomes.

Não que os clubes e quem os lidera possam ser ilibados de culpa, bem pelo contrário, mas cabe a quem tutela o futebol ir muito além do roadbook de castigos e punições como forma de conter as eternas polémicas do desporto-rei. A FPF e a Liga há muito que se demitiram de atacar os problemas epicamente insanáveis da arbitragem pela raiz. Vão colocando "paninhos" em cima de "paninhos", mordiscando soluções envergonhadas, nunca pondo fim à maior enfermidade de todas - a suspeição.

Culturalmente, o futebol português é uma espécie de campeonato de desconfianças e até ao Apito Dourado era um grande pântano de rumores e boatos que aqui e ali deixavam entrar raros raios de luz, queimando figuras menores do eco-sistema. As escutas do processo mencionado revelariam muito mais do que era conhecido e ficou claro a todos que o processo de investigação e os seus resultados foram manobrados quer para não resultar em qualquer castigo, quer para não ir além do alvo preferencial de quem, na imprensa, recebeu dados sobre a investigação.

Foi a primeira vez que ficou claro e transparente que a arbitragem não tinha qualquer tipo de proteção ou qualquer tipo de independência face aos "caciques" que dominavam o submundo da competição. Bem pelo contrário. Não só os árbitros se ofereciam para prestar "favores", como os obtiam e viviam de consciência tranquila com a troca. E o que fez a FPF ou a Liga? Nada. Pior que nada, despromoveu o Boavista e o Gondomar. Acreditou alguém que o grande DDT do nosso futebol era à data o Boavista e o Gondomar? A FPF sim. E pareceu satisfeita com a solução, a mais cobarde de todas.

O rombo da suspeição continuara intacto e pior, abriu-se oficialmente o jogo de acusações intra-clubes. O Benfica literalmente fez campanha em cima da tal filtragem de dados e conseguiu sair do processo como o impoluto competidor que era vítima do poder do rival Porto na arbitragem. Quem na altura estava "por dentro" bem que avisou que a Luz estava muito longe de ser um agente à margem dos processos do rival nortenho, o que nem sequer é racional, sabendo todos como LFV aprendeu com o seu "amigo" PdC todos os recantos obscuros do futebol, quando era "apenas" um fornecedor de jogadores e grandes negociatas entre o Alverca e o FCP.

Seria de esperar que como presidente do Benfica, LFV ficasse pacatamente a assistir de poltrona à manutenção do poder do Porto sobre a arbitragem? Ou teria começado bem cedo a disputá-lo usando os mesmos métodos (ou piores) para equilibrar o acesso a resultados desportivos que legitimassem os seus mandatos na Luz? Sabemos todos responder a esta pergunta, mas a FPF, mais uma vez ignorou o tal "clima" que agora tanto perturba o seu líder.

Anos passaram de trocas de acusações e suspeição sem que por parte das entidades reguladoras existisse sequer um espamo de preocupação. A FPF dedicou-se à operação financeira da sua selecção e o reinado de Cristiano Ronaldo prometia visibilidade e sobretudo muito dinheiro a pingar nos cofres da organização. Os dirigentes da Federação eram agora convidados para simpósios, para estudos, para entrevistas e sobretudo para cargos na UEFA, que foram melhorando conforme a camisola das Quinas ia subindo no ranking das competições e também nos contratos publicitários. A evolução das competições internas ficou para segundo ou mesmo terceiro plano.

A eterna guerra entre Porto e Benfica era vista como uma "briga" entre marido-mulher, era narrada como o espelho de uma "competição feroz", uma "disputa de grande rivalidade", os epítetos exibiam imensa falta de compreensão sobre o que realmente se passava e sobretudo o que isso reflectia na arbitragem. Bolas de golf rolavam sobre os relvados, autocarros eram apedrejados, mas o cenário era "pintado" como reflexo normal de uma guerra verbal que ninguém se atrevia a condenar. Tudo mudaria de repente com o ressurgimento do Sporting como "player" no mercado.

BdC trouxe uma imagem de um clube que não se iria silenciar face à secundarização a que estava votado há muito. E fê-lo denunciando e colocando o dedo na ferida. A FPF e a Liga não tinham alguma intenção de melhorar o futebol português e o Sporting foi o primeiro a dizê-lo com verdadeira intenção de suportar inovações que controlassem os estragos que tantos anos de "padrinhos" e "poderes alheios" fizeram sobre, só por exemplo, a arbitragem.

E foi assim que na ressaca do maior título alguma vez conquistado que estourou a II Grande Bronca do nosso futebol. Milhares de e-mails acabariam no colo de um Porto já arredado do poder na arbitragem. Emails que exibem cabalmente toda a teia que havia sido criada pelo Benfica (que tinha recrutado para o seu seio os homens certos, com currículo na ligação aos árbitros) para "roubar" o trono da arbitragem ao Porto e que de muitas formas o conseguiu sem que os rivais se apercebessem da compexidade e sucesso da operação. O "polvo" era muito maior que o suposto e os seus tentáculos estendiam-se por muito mais que o poder no futebol.

O que fez a FPF? Nada. Abriu um processo de inquérito que ao que tudo indica, tantos meses depois de ter sido iniciado, não teve um deferimento sequer. Nada. Nem um gesto. Absolutamente nada. Aliás, a polémica dos Vouchers dados por um clube a árbitros e observadores já tinha sido lidada como "incómoda" e "fait-divers"...o que mostra o quão preocupada está na verdade a FPF com o "clima" do futebol português. E considerem que, para colocar na agenda (pelo menos mediática) destes escândalos, foi preciso Porto e Sporting servirem como denunciantes e muitas vezes investigadores. A FPF (que tudo prova cabalmente que sabia de tudo) nunca se lembrou que seria errado dar Vouchers ou que havia interferências graves do Benfica na gestão da arbitragem. Nunca.

E é depois de explodir a polémica e as partes se acusarem, como é evidente subindo de tom com as revelações produzidas, que vem o salomónico Dr. Fernando Gomes falar-nos em "irresponsabilidade"? Anunciar "aqui del rei" com a pressão sobre os árbitros? Mas ele não estava vivo e dentro do futebol todos estes anos? Todos estes anos de uma FPF completamente muda e calada, imóvel e afastada de criar soluções ou punir exemplarmente os corruptos ou "vendedores" de poder? E porquê a redução da polémica ao tema arbitragem? Terá Fernando Gomes apenas acordado para a merda que são os corredores do nosso futebol, com a preocupação que a denúncia dos Padres, Ministros e Missas possam danificar a margem de influência do Benfica?

É o que me parece. Tudo isto agravado com o facto de todos sabermos que o Benfica detém centenas de sms´s privadas do Sr. Fernando Gomes e várias informações sobre a vida privada (menos conveniente) de vários árbitros. Serão só de árbitros?

A hipocrisia que falei no início está aí para que todos possam identificá-la. Quem a elogia ainda torna tudo mais deprimente. Quem é que no nosso futebol tem a moral para falar em "irresponsabilidade"? A FPF? Essa tia solteira que é somente mais um pau-mandado? Essa organização que tem como função regular todo o futebol e é hierarquicamente muito superior aos clubes? É o pai que nunca está em casa que se deve queixar da falta de educação dos filhos? Quem será o maior responsável de tudo isto senão o próprio Dr. Fernando Gomes?! Se não tem poder, se não tem tomates ou independência para os ter, se está "na mão" de alguém...que se demita! Mas antes disso, meta a irresponsabilidade no cu. Se é lá que ela se tem escondido, pois que continue.

Saudações Leoninas


11 comentários:

  1. Exactamente. É um belo resumo do belo pântano em que se tornou o nosso futebol. Até a Seleccão é uma vergonha, mesmo com a sorte de termos ganho o Campeonato, temos de ver que empatámos todos os jogos do nosso grupo. Com convocatórias onde entram jogadores como renato sanches e caceteu acho que fica bem patente que andamos nisso mais com sorte do que com outra coisa qualquer, e sim, acima de tudo com Ronaldo.

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  2. Tocas num ponto importante,a falta de credibilidade dos reguladores do futebol português,casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão,quando os gajos que deveriam ser os primeiros a vir a terreiro providenciar pela isenção e justiça do futebol metem a viola dentro do saco como cobardes que são para não arranjarem problemas,haverá alguém que os respeite ?

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  3. É tudo pântano, menos o financiador SObrinho , o costume pimenta no cu dos outros é refresco.

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    1. O costume. Fala-se da biblioteca e aparece um tipo a discutir um post-it.

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    2. Ao menos o Sobrinho é um investidor na SAD e aparece nos R&C´s. Mas há outros angolanos de renome que nos relatórios da SAD do Benfica desaparecem magicamente, sendo que toda a gente sabe que meteram lá muito dinheiro

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  4. Tudo bem descrito. Um glorioso mundo de hipocrisia e que agora ganha o Rei Sol o grande pagador dos avençados.
    E a prova já aí está com o comment do anónimo acima, não teem nada para dizer, nada.

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  5. Grande texto Javardeiro. Alguém que o espete nas trombas do palhaço do FG

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  6. este merecia uma página do Jornal Sporting

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  7. Grande apontamento caro Javardeiro, grande pedrada nesse lodaçal pantanoso onde só faltava mencionar as "relações privilegiadas" desse pau mandado com o outro "dono" do charco - o comendador Mendes.

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  8. "...o Benfica detém centenas de sms´s privadas do Sr. Fernando Gomes e várias informações sobre a vida privada (menos conveniente) de vários árbitros. Serão só de árbitros?" - penso que a chave do problema está aqui: não só dr árbitros, mas também de alguns dirigentes.

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