Não queria maçar-vos com a temática mais chata do universo, mas muitas vezes temos de pôr o dedo na ferida, nem que seja para dizer ao doutor onde está o dói-dói. Sim, vou falar da Selecção Portuguesa de Futebol. Tenham lá paciência, mas este é o timing para dizer algumas coisas, especialmente quando os principais responsáveis decidiram, mais uma vez, vestir os fatos de Carnaval e andar a brincar aos "Cabeçudos".
Quando alguém assume que não foi competente tem de tomar 2 opções: ou acha que foi por sua culpa e muda ou acha que foi por culpa de outros e obriga-os a mudar. Pode-se dar o caso de todos serem culpados e aí a mudança é total, cenário que acho o mais exacto neste momento. Mas estamos a falar do futebol português e todos sabemos que "inovar", "melhorar", "evoluir" são palavras que não constam do dicionário do "sistema". A última grande mudança nas Selecções foi há mais de 30 anos e o seu legado de competência e seriedade, que funcionou, foi obviamente esquecido.
Há 5 coisas nas Selecção que nunca funcionarão bem, acima de tudo porque a vontade é mesmo essa e explica quase tudo o que são os problemas graves estruturais que se reflectem nos resultados constantemente. É claro que há quem sempre veja a coisa como se estivéssemos nos anos 60 e consiga ver grandes façanhas em apuramentos e 3os lugares. Eu pergunto-me se nos queremos andar sempre a comparar com a Bulgaria, a Bélgica ou o Chile…também elas formações que em dado momento tiveram registos semelhantes aos nossos.
Já lá vamos aos 5 pontos, faço aqui um parêntesis só para ilustrar outra ideia que ninguém gosta de referir mas é a forma mais fácil de entender que algo não está a correr bem. A liga portuguesa em termos europeus será provavelmente a 7ª mais forte. A primeira posição tem oscilado entre Espanha e Inglaterra, a Alemã tem ganho posições nas últimas épocas e destronou a Italiana no 3º lugar, em 5º surge a Francesa e apesar das questões políticas poderem vir a interferir directamente a Rússia ocupará a 6ª posição. Há algumas dúvidas na 7ª, Holanda e Portugal discutem a mesma posição, mas enquanto os clubes portugueses mostrarem a capacidade de recrutar na Liga Holandesa e o inverso não suceder, alguma coisa isto quererá dizer. A emergir nas posições seguintes estão a Turquia e a Suécia, a Bélgica e a Grécia estão a perder terreno e até a Suiça pode entrar nas contas desta elite da competição europeia.
Mas olhemos para o palmarés das Ligas que se posicionam à frente da nossa:
Inglaterra: 3º lugar no Euro em 68 e 96, Campeã do Mundo em 66
Espanha: Campeã da Europa em 64, 08 e 12 / Campeã do Mundo em 10
Alemanha: Campeã da Europa em 72, 80 e 96 / Campeã do Mundo em 54, 74, 90 e 14
França: Campeã da Europa em 84 e 00 / Campeã do Mundo em 98
Italia: Campeã da Europa em 68 / Campeã do Mundo em 34, 38, 82 e 06
Holanda: Campeã da Europa em 88 / Mundial - 2º em 74, 78 e 10, 3º em 14
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Portugal: Euro - 2º em 04, 3º em 84, 00 e 12 / Mundial - 3º em 66 e 06
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Russia: Euro- 2º em 88, 4º em 08
Entra pelo olhos dentro que há relação entre a força do campeonato e das equipas que o compõem e os resultados das selecções. A Rússia será uma excepção, muito à custa dos jogadores importados à pazada milionária pela oligarquia eslava que preside a alguns emblemas desse país. Portugal não tendo o mecenato de grandes fortunas tem porém o mesmo problema dos russos. Os grandes jogadores dos grandes clubes são na sua esmagadora maioria estrangeiros. Este é obviamente o 1 ponto e o mais importante.
Já se entendeu que os 3 grandes, e o Sporting aproximou-se mais dos 2 restantes, não têm a base de recrutamento necessária. A luta titânica pela conquista de títulos esvaziou a confiança nos "jovens" produtos das suas escolas (aqui o Sporting é uma honrosa excepção, apenas porque forma muito mais e melhor) e a globalização da detecção de talento em portugal, desvia todas as épocas muitos "wonderboys" da natural ascensão dentro de portas. Edgar Ié, Bruma, Illori, Vezo, A.Gomes, Bernardo Silva são só alguns exemplos de jogadores que podiam ter conquistado o seu espaço como grandes valores e referência na Selecção se…os clubes dessem esse espaço e os empresários não forçassem as suas saídas para clubes europeus, na pressa dos contratos milionários.
No fundo, a liga portuguesa começou a sofrer do mesmo mal que afecta a Sérvia, a Croácia, a Dinamarca ou a Suécia (em tempos também a Roménia e a Bulgária) que é ver as "promessas" saírem demasiado cedo - muitas das vezes perdendo-se carreiras por interrupção prematura da aprendizagem do jogador como atleta e homem. Os que emergem se aguentam como símbolos dos grandes clubes são muito poucos, muito poucos e como é natural alimentam pouco a Selecção.
Limitar o número de contratações fora da nossa Liga e obrigar todos os clubes a apresentar um nº mínimo de jogadores elegíveis para a Selecção é há 10 anos uma medida urgente. A desculpa é sempre a mesma…isso reduziria a força dos grandes no cenário europeu. Eu gostava que me dessem provas disso. Pois não há nenhum facto que sustente que os jogadores que contratamos fora sejam (em potência) melhores que os portugueses. Os empresários não o desejam, apenas isso. As paletes de estrangeiros que chegam todos os anos dão muito dinheiro a ganhar aos senhores "gestores de carreiras".
Em 2º lugar - a competitividade das Ligas Profissionais
Temos demasiados clubes em provas profissionais e uma desproporção com o número de atletas federados. Entre 12 e 14 seria um número razoável para a primeira Liga. Uma 2ª liga divida entre Norte+Açores e Sul+Madeira com 10 clubes cada seria muito mais indicado. A verdade é que nenhuma das Ligas Profissionais gera receitas suficientes para alimentar tantos clubes. Não há gestão coerente, racional e organizada na esmagadora maioria dos emblemas. 90% vive no sufoco da falência terminal e 99% na penosa fase da falência técnica. O que isto significa para as Selecções? Menos investimento nas estruturas de treino, qualidade técnica dos formadores, incapacidade para reter valor, os reflexos são intermináveis.
3º lugar - O enquadramento dos fundos e empresários
É quase inexistente a definição de regras dos fundos. Há ligas que simplesmente as proíbem e isso não acontece por acaso. O perigo de os fundos adquirirem uma importância desmesurada na gestão desportiva de um clube é já uma realidade em Portugal. Começa a ser difícil distinguir o que é a vontade de lucro do fundo e a opção desportiva do clube e isso chama-se dependência. Termos vários clubes que possam fechar portas assim que esvaziado o interesse de um fundo não é um cenário, é um facto e vai demorar pouco tempo até que tenhamos de por trancas depois da casa assaltada.
Quanto aos empresários, já são tantos casos de atrito entre estes e os clubes, que só se compreende esta passividade da Liga e da FPF pela profunda promiscuidade de interesses entre dirigentes destas estruturas, alguns clubes e uma elite de empresários que soube, muito a tempo, despejar favores em cima desta relação. A acção dos fundos que ajuda a trazer jogadores estrangeiros que têm de ser titulares e relegam tantas vezes promessas para o banco a somar à sede inesgotável de vendas rápidas dos empresários…olhando para a nossa Selecção…é preciso dizer mais?
4º lugar - A incapacidade para gerar compromissos globais
Em Portugal não há projectos. Acima de tudo, no desporto isso é sagrado, não há entendimento de interesse supra clubes. Primeiro porque os dirigentes são pessoas inseguras e incompetentes que precisam do conflito para gerar consensos internos. E segundo porque quem devia ter autoridade (FPF, Comissão de Arbitragem, Liga e Sindicatos) são quem menos a tem. O ponto é tão grave que a representação profissional dos clubes não consegue sequer realizar uma eleição. A suspeição é total e os sucessivos Governos ajudaram à festa, nunca tendo coragem política para fazer do futebol um palco onde existe justiça e verdade. A carta branca para as manhas, aldrabices, tráfico de influências é absoluta. Em Portugal não existem clubes, existem cartéis. Unem-se e guerreiam conforme a balança de resultados oscila e a personalidade dos dirigentes se compatibliza temporariamente. Será difícil mudar seja o que for, quando tantos players desejam a mediocridade do nosso futebol.
5º lugar - A imprensa
Enquanto todos estes problemas decorrem, várias centenas de jornalistas produzem milhares de horas e páginas de conteúdo, aplaudindo propositadamente a incompetência e falcatrua. Elogiando a "mentira" como se fosse inteligência e a "violência" como se fosse autoridade. A formação da opinião pública ajuda à passividade dos adeptos e eu não faço parte daqueles adeptos que acha que "temos é de ser ainda mais corruptos que os outros" para poder vencer. A falta de independência dos OCS é total e a cobardia é o modus operandi. Constroem-se e destroem-se jogadores nos media diariamente, conforme o clube e o empresário.
Isto é o que tenho a dizer da Selecção. Paulo Bento é apenas mais um reflexo gástrico de todo o aparelho e está de acordo com tudo o que escrevi acima. Na verdade é pouco relevante a sua acção, quando tanta coisa não passa pela sua capacidade.
SL
Um aparte, na parte do palmarés das seleções os dados da França estão trocados com a Itália.
ResponderEliminarCumprimentos e SL
Corrigido. Obrigado
ResponderEliminarA prova de que "a força dos grandes" não seria reduzida se jogassem em média com menos de 10 ou 11 estrangeiros é precisamente o FC Porto de Mourinho em 2004, onde apenas jogavam 4 estrangeiros (McCarthy, Derlei, Alenichev e Carlos Alberto) e um "assimilado" (Deco).
ResponderEliminarEscrevi há dias no meu blog um texto sobre a temática dos fundos alinhada com o rumo do futebol português (ou a falta dele), embora de uma forma mais superficial.
ResponderEliminarSubscrevi«o inteiramente o que o meu caro javardeiro acima nos escreve e o melhor elogio que lhe posso reservar é: "quem me dera ter escrito isto!"
Excelente texto que retrata uma realidade que poucos vêm e muitos resolvem ignorar.
SL
*Subscrevo
EliminarPlenamente de acordo. Todos esses ingredientes misturados e previamente preparados resultam naquilo que é normalmente designado de sistema, ou de mafia, ou de polvo. Será quase impossível acabar com essa caldeirada de interesses. O Sporting, por intermédio do seu Presidente, com convição está a tentar remar contra a maré. Basta ver ouvir ou lêr toda a campanha que por aí vai contra o Sporting e o seu Presidente para compreendermos que será uma tarefa hercúlea que dificilmente terá sucesso, se não estivermos unidos na luta contra os regulamentos e as mentalidades vigentes.
ResponderEliminarA sentença foi proferida em 2006 quando se acabou com o limite de estrangeiros nos escalões de formação em Portugal. A temática abordada neste post deveria estar no topo das prioridades do futebol nacional. Voltar a impor limites nestes números parece-me obrigatório. E obrigar também os clubes a entrar em campo com um mínimo de jogadores nacionais (por exemplo 6) nas suas equipas seniores.
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